Por trás dos mistérios e da majestade da paixão repousam alguns princípios básicos da biologia que os cientistas são capazes de interpretar. "Ao dotar o ser humano da capacidade de se apaixonar, a mãe natureza só queria forçar dois corpos a se aproximar o suficiente para procriar", diz o psiquiatra americano James Leckman, da Universidade Yale, um dos principais estudiosos das raízes biológicas do amor. Por isso, a duração média da paixão equivale ao tempo exigido para a concepção, a gestação e o nascimento do bebê. O relacionamento apaixonado dura no máximo quatro anos. Cientistas mais detalhistas estimam em dezoito meses para os homens e 36 para as mulheres. Pode ser muito menos em alguns casos.
Ok., todos nós sabemos que isso não é tudo. O amor pode ser mais profundo, complexo e moldado pela psicologia individual que o simples impulso da reprodução. É por isso que a questão do tempo leva a outra pergunta, igualmente importante, mas impossível de ser respondida em laboratório: o que fazer depois que a paixão acaba? Do ponto de vista puramente biológico, a resposta seria separar-se e buscar novo parceiro. É o que faz a maioria dos animais. Apenas 5% dos mamíferos mantêm relacionamentos monogâmicos. São aqueles cujos filhotes nascem frágeis e precisam da proteção dos pais por mais tempo. Mesmo entre eles, contudo, a ligação é temporária. Um ano, se tanto. Também nesse aspecto somos diferentes. "Se formos analisar biologicamente, o ser humano é um dos raros animais que necessitam de abrigo e companhia", disse a VEJA o sociólogo americano Patrick McKenry, da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos. Durante cinco anos, McKenry estudou 3 000 casais com idades entre 19 e 75 anos. Chegou à conclusão de que manter um relacionamento amoroso estável é, no mínimo, um bom remédio para diminuir os riscos de depressão.
Uma parte do mistério do amor – seus aspectos bioquímicos – já foi devidamente desvendada pelos cientistas. O estado de euforia da paixão é resultado de uma poderosa descarga de anfetaminas produzidas pelo próprio organismo. Essas substâncias são da mesma família daquelas usadas como moderadores de apetite e vendidas em farmácias. Até os sintomas são parecidos. A pele fica ruborizada, sobe a temperatura do corpo, o coração bate mais rápido, o desejo sexual é mais intenso e o estado de consciência fica alterado, eufórico. Em seguida à atividade sexual, uma segunda brigada química, de endorfinas e hormônios, é responsável pela sensação de extremo bem-estar que os apaixonados sentem por estar ao lado de seu objeto de desejo. Essa dose adicional é o que faz o ser humano esticar o período de apaixonamento para além do ato sexual. No terceiro ano, em média, as células cerebrais ficam saturadas ou simplesmente mais tolerantes à química emocional e não respondem como antes. Nesse estágio começa a batalha entre a vontade de terminar tudo e o compromisso cultural de preservar o casamento. "Muitos casais entram então no segundo estágio do relacionamento, o do amor. Isto é, a ligação afetuosa, em que predominam a dependência mútua, o companheirismo e a estabilidade", comenta a antropóloga americana Helen Fisher, autora de Anatomia do Amor, respeitado estudo sobre a razão biológica da paixão e seus desdobramentos.
Por que para tantos casais o fim da paixão é a senha para a separação, enquanto para outros não passa de uma turbulência que serve para consolidar ainda mais uma união estável? O que complica a vida conjugal é o fato de a paixão ser hoje tremendamente valorizada por homens e mulheres. O fenômeno é recentíssimo. Historicamente, a paixão nunca esteve atrelada a relacionamentos duradouros, muito menos a casamentos estáveis. "Todas as grandes paixões da literatura são histórias de amor frustrado", observa o psiquiatra paulista Eduardo Ferreira-Santos, autor de vários livros sobre o relacionamento afetivo. "O sentimento apaixonado sempre foi tratado como algo impossível, até proibido." Em todas as sociedades, inclusive recentemente, o matrimônio era um tipo de acordo com o objetivo de procriar, gerir propriedades e garantir a sobrevivência da prole. O amor viria com a convivência do casal, se viesse. Ninguém de bom senso apostaria seu futuro num sentimento de existência tão breve como a paixão.
O casamento moderno, ao contrário, dá ênfase à relação pessoal entre marido e mulher. Todo mundo quer encontrar seu par ideal, por quem esteja apaixonado. Há quem diga que é assim desde os anos 40, quando o casamento romântico, pautado pela paixão e alimentado por Hollywood, se tornou um fenômeno de massa. O paradoxo dessa situação é o próprio caráter temporário do estado apaixonado conspirar contra a união permanente da família moderna. A expectativa em relação ao sexo, por exemplo. Uma vez que gratificação sexual passa a ser essencial para a existência de um casamento, o risco de dissolução aumenta quando se esgota a paixão e a libido entra em queda. Muitas outras coisas mudaram no relacionamento entre homens e mulheres. As pressões morais, tão fortes até duas ou três décadas atrás, perderam vigor. É possível ter filhos fora do casamento, casar-se e não ter filhos ou até ficar solteiro sem o risco do ostracismo social. Some-se a isso o fato de as mulheres se terem tornado mais independentes economicamente. Nessa situação, elas estão mais à vontade para romper casamentos desajustados. Em suma, as pessoas vêem cada vez menos sentido em manter uma união depois que a euforia da paixão chegou ao fim. O resultado é que os brasileiros continuam se casando, mas se separam cada vez mais, e apaixonam-se e casam-se novamente com muito mais rapidez.
Uma recente pesquisa sobre o casamento ideal, realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenada pela antropóloga Miriam Goldenberg, constatou que a esmagadora maioria de homens e mulheres considera desejo sexual, intensidade emocional e fidelidade (elementos de um relacionamento na fase da paixão) qualidades mais importantes que companheirismo, sinceridade e carinho (elementos de uma relação duradoura). A expectativa pelo relacionamento apaixonado está na origem de um comportamento contemporâneo que os acadêmicos estão chamando de "monogamias sucessivas". São uniões emocionalmente intensas, com absoluta fidelidade – mas que não resistem ao fim do surto apaixonado –, e seguidas de outro relacionamento igualmente monogâmico e intenso, mas breve. A atriz Cláudia Ohana casou-se sete vezes, a primeira aos 16 anos. Todas as uniões terminaram depois de três anos de convivência, no máximo. A última, com o artista plástico Rafael Ceppas, acabou há um ano e meio, depois de dois anos. "Todas tiveram algo em comum", diz Ohana. "Eram paixões fulminantes, daquelas em que você não tem olhos para mais ninguém. Meu termômetro para saber se tudo tinha terminado era quando me interessava por outra pessoa. Como não admito traição, desistia e partia para novo romance." Aos 38 anos, com um filha de 18 (de seu segundo marido, o cineasta Ruy Guerra), a atriz pretende ter postura diferente no próximo casamento. "Sei que vou ter de fazer uma coisa que nunca fiz. Investir na relação e abdicar de coisas, perdoar os defeitos do outro. Nunca experimentei isso antes e acho que perdi muito assim."
Afinal, o que fazer quando a paixão acaba? É mais prático colocar a questão de outra forma: como mensurar se vale ou não a pena investir numa relação que passa por um período tempestuoso? Não existe receita que funcione em todos os casos, dada a diversidade de situações possíveis entre marido e mulher. Uma atitude que vale para a maioria é a vontade mútua de manter a família. "Antes de tudo, é preciso companheirismo e afeto", ensina o psiquiatra Ferreira-Santos. "Os casamentos modernos que dão certo são parcerias. Ou seja, o homem e a mulher comportam-se como sócios num empreendimento, o casamento, e devem contribuir para que a empresa dê certo." Conta pontos a favor da manutenção da união uma vida sexual prazerosa, mesmo que a freqüência das relações sexuais não seja das maiores. Nesse caso, é preciso cuidado dobrado nos critérios de avaliação. Estar apaixonado, biologicamente falando, significa encontrar-se no auge da sexualidade. "Existem fatores que contribuem para que o declínio da atividade sexual seja mais intenso", diz a psiquiatra Carmita Abdo, do Projeto Sexualidade do Hospital das Clínicas de São Paulo. "Os casais param de fantasiar, de usar a criatividade e de se dedicar ao erotismo como faziam no início da vida a dois."
Não há vida sexual na maturidade que possa comparar-se com a dos tempos dourados. O furor sexual se esvai junto com a sensação de bem-estar, com a euforia da paixão. É natural que o número de relações diminua com a idade. Aos 20 anos, o casal apaixonado faz sexo cinco vezes por semana. Aos 50, uma só. Por isso, o que importa não é a quantidade, mas a qualidade do sexo praticado. "Podemos dizer que a vida sexual é um medidor da paixão", afirma a antropóloga Miriam Goldenberg. "As mulheres só começam a se incomodar com ela quando não se sentem mais desejadas pelo marido com a intensidade do período da paixão. É um dos motivos que as levam à infidelidade. Quanto aos homens que dizem trair, eles o fazem não por ter deixado de amar sua mulher, mas para sentir o mesmo desejo dos primeiros anos de casamento." Há vários tipos de matrimônio duradouro – e nem todos fazem bem à saúde. Alguns são baseados no afeto e no companheirismo. São os, podemos dizer, "por amor". Outro tipo, que especialistas chamam de simbiótico, é aquele em que o homem e a mulher dependem um do outro para tudo. Isso envolve a questão econômica e a emocional. "As pessoas têm medo de se separar, de ficar sozinhas e não encontrar outro parceiro, de ter problemas com os filhos e também de complicações financeiras", explica o psiquiatra paulista Moacir Costa, especialista em terapia de casais. Há ainda aquele pautado pela acomodação, que é o mais devastador. A pessoa simplesmente continua casada, mas ignora o parceiro. É do tipo: ela está aí mesmo, ele também, nada vai acontecer. Tanto que cônjuges nessa situação se sentem livres para trair. A permanência de alguns elementos do período inicial do relacionamento – boas lembranças da paixão antiga e necessidade de compartilhar, por exemplo – pode ajudar bastante mais tarde, quando o casal começa a esquecer por que, afinal de contas, decidiu ficar junto. "A fase de deslumbre acabou em dois anos", conta o VJ da MTV Edgard Piccoli, 36 anos, casado há dez com Maria Esther. "Um dia paramos para conversar. Sabíamos que haveria fases boas e ruins. Mas também sabíamos que sairíamos frustrados se não tentássemos ir para a frente. Queríamos montar uma família." Eles têm quatro filhos e um casamento estável, baseado, como dizem, em ponderação e respeito mútuo. "Acho que o ponto forte do nosso relacionamento é que não vivemos um só pelo outro. Cada um tem seu trabalho, vive sua vida", ressalta Piccoli. "Uma pessoa não pode ficar esperando que a outra resolva todos os seus problemas nem fazer dela o centro de sua vida." Um dos mais festejados gurus do relacionamento amoroso, o psiquiatra americano John Gottman já analisou mais de 3.000 casais no chamado Love Lab ("laboratório do amor") da Universidade de Washington. Há dois anos, ele instalou ali apartamentos em que os casais são observados 24 horas por dia, numa espécie de Big Brother científico. O que concluiu foi que aquilo que mata o casamento não é o fim da paixão, mas a falta de interação entre o casal.
A paixão é uma revolução para unir as pessoas, que pode dar certo ou não, como todas as revoluções", disse Gottman a VEJA. "Depois de terminada, vira amor se o casal tiver uma relação de amizade e, principalmente, se estiver disposto a ceder." Em seu último livro, The Relationship Cure (A Cura do Relacionamento, em inglês), uma espécie de guia para quem enfrenta uma crise conjugal, Gottman recomenda, basicamente, que marido e mulher ouçam um ao outro. Ele acredita que há três regras para que os relacionamentos dêem certo depois do fim da paixão. Primeiro, os casais devem saber relevar as picuinhas da vida em comum. Gottman argumenta que existem duas categorias de conflitos conjugais: os que podem ser resolvidos e os permanentes. "O segredo da boa convivência está em saber lidar com os que não mudam. Mesmo sem gostar desses problemas, é possível conviver com eles", afirma. Nesses casos, o melhor é evitar situações que agravem as complicações e desenvolver estratégias e rotinas que ajudem a enfrentá-las. Também é imprescindível que o casal esteja disposto a conhecer profundamente um ao outro. "É necessário saber sair da fase da paixão e encarar a realidade", explica Gottman. "Todo mundo tem defeitos. Ninguém é um príncipe encantado." Em terceiro lugar, homens e mulheres devem aprender a compartilhar e estar dispostos a responder melhor às solicitações de seus parceiros. Sensacional no estudo de Gottman é a comprovação científica daquilo que as tias velhas dizem às sobrinhas casadoiras: relevar as pirraças e dar atenção ao parceiro é o melhor a fazer. A regra número 1 do casamento satisfatório e perene é não exagerar nas expectativas. Quanto maior a expectativa, maior a dificuldade de superar a frustração. Isso não significa esperar pouca coisa do casamento, mas pôr o pé no chão quando a cabeça, ébria de endorfinas, está a mil. "Ninguém se apaixona por alguém de carne e osso", salienta a psicoterapeuta carioca Regina Navarro Lins. "Apaixona-se por uma ilusão, uma figura projetada, muitas vezes até um reflexo do que o próprio apaixonado gostaria de ser. Quando essa ilusão se desfaz e o outro aparece exatamente como é, com seus defeitos, suas manias, o choque é muito grande." Por mais que o casamento tenha mudado e que o "juntos até que a morte os separe" tenha se tornado um ritual desvinculado da realidade, quem decide dividir a vida com alguém tem a intenção, mesmo inconsciente, de que seja para sempre. É uma ironia da mãe natureza que, nesse plano, a paixão possa em tantos casos atrapalhar mais do que ajudar.
Depois que a paixão acaba... ...VALE INVESTIR SE: apesar de todos os defeitos revelados ao longo dos anos, há respeito, afeto e admiração entre os dois há a intenção de fazer sacrifícios e deixar passar algumas picuinhas para manter a relação existe vida sexual prazerosa, mesmo que não seja freqüente
...É MELHOR DESISTIR QUANDO: a vida sexual acabou por completo e o casal não tem mais tempo sequer para conversar um dos dois se esquece da vida pessoal e da família só para alcançar seus objetivos profissionais o casamento é uma relação de comodidade e serve apenas de muleta para suportar as dificuldades do dia-a-dia |
As crises de um casamento DO 1º AO 3ºANO O casal está apaixonado e mantém vida sexual intensa. Os dois são capazes de largar tudo para ficar um com o outro. Fazem planos para o futuro.
DO 3º AO 6º ANO A paixão expira e o cônjuge começa a ser visto como realmente é, com defeitos e manias. A chegada do primeiro filho desvia a atenção da mulher e torna a vida sexual mais apática. É quando ocorre a maioria das separações.
DO 6º AO 10º ANO Trata-se do período em que ocorre a famosa crise dos sete anos. As mágoas e os problemas mal resolvidos dos primeiros anos de casamento complicam-se com o crescimento dos filhos e as despesas maiores. É a fase em que a maioria dos homens e das mulheres descobre uma nova paixão.
DO 10º AO 15º ANO A maioria dos casais se aproxima dos 40 anos. O sexo fica mais esparso, tanto pelo tédio da relação quanto pela queda natural de desejo sexual decorrente da idade. É comum o sentimento de que se perderam anos de vida numa relação amorosa exclusiva e frustrante.
DO 15º AO 25º ANO O casal atinge a meia-idade e a vida sexual, já rarefeita, é prejudicada pela menopausa. O marido se interessa mais que nunca por mulheres mais jovens. Se ficam juntos, não é muitas vezes por amor, mas por falta de ânimo em começar nova vida. |
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